terça-feira, 31 de janeiro de 2012

O peso e a leveza de Kundera em minha vida


O mês de janeiro de 2012 iniciou de forma densa para mim. No final do ano passado, através de um grupo de discussão no Facebook acerca da sexualidade no cinema, conheci um filme chamado A insustentável leveza do ser. Fiquei interessada pelo título, que é assaz interessante, e diante dos muitos elogios à película, resolvi adquirir o DVD do filme e conferir do que se tratava. Numa das críticas impressas na capa do DVD, lia-se que se tratava do ''romance erótico mais sério desde o Último tango em Paris''.
Ao ver o filme, tive certeza de que a tal crítica estava correta e isso me fez comprar o livro, o que me leva a escrever este post, sobre as impressões que a leitura me causou.
Levei cerca de 28 dias para finalizar a leitura de A insustentável leveza do ser, do escritor tcheco Milan Kundera, lançado originalmente no ano de 1982. O período no qual passei em companhia do livro foi de verdadeira transformação para mim, que sou como uma esponja, e absorvo com facilidade as coisas que me tocam.
Já nas primeiras páginas, o autor discorre sobre Nietzsche e sua teoria do eterno retorno (teoria que o próprio Nietzsche achava assustadora). Segundo essa teoria ''considerando-se o tempo infinito e as combinações de forças em conflito que formam cada instante finitas, em algum momento futuro tudo se repetirá infinitas vezes. Assim, vemos sempre os mesmos fatos retornarem indefinidamente. '' (Wikipédia) .
A ideia dessa repetição levou Nietzsche a afirmar que o eterno retorno é o mais pesado dos fardos. Começam-se então os questionamentos: ''será mesmo atroz o peso e bela a leveza?'‘, pergunta-nos Kundera. Através dessa simples pergunta meu pensamento se elevou e comecei a pensar nas muitas contradições da vida. Será possível viver somente com a leveza? É possível ignorar os fardos de nossa vida e esquecer o real ''peso'' que o peso tem?
O livro conta a história de cinco personagens que alternam entre si a dualidade e porque não dizer, o duelo entre o peso e a leveza, questão central e mais importante no livro.
Tomas e Sabina, através de sua sexualidade aguçada (são velhos amigos e amantes constantes), representam o que se pode definir como Leveza. Teresa e Franz são o lado que representa o peso. São dois sonhadores. Mas, sobretudo, é no casal Tomas e Teresa que se desenrola a história: Ele, acostumado viver forma despretensiosa, vê seu mundo mudar ao conhecer Teresa, que em sua definição era como uma '' criança colocada num cesto e abandonada ao sabor da corrente'‘, que veio para ser salva por ele assim como Moisés ou mesmo Édipo haviam sido salvos.
A leveza com que Tomas levava a vida entrou em confronto com o peso que viver com Teresa (uma criatura frágil, debilitada emocionalmente e extremamente sonhadora) acarretava: sentiam um amor imenso um pelo outro, mas para Teresa, a leveza com que Tomas levava a vida era um fardo insustentável para ela, que via nas outras mulheres e no desejo sexual de Tomas um problema com o qual ela não sabia lidar.
Ele, que sempre fugiu de qualquer envolvimento, se apaixonou por Teresa através de sua fragilidade. Segundo o livro, ''o amor não se manifesta pelo desejo de fazer amor (esse desejo se aplica a uma multidão inumerável de mulheres), mas pelo desejo do sono compartilhado (esse diz respeito a uma só mulher) '‘, e foi através desse sono compartilhado que Tomas se apaixonou por Tereza. O grande conflito entre os dois (o peso de um e a leveza de outro) era justamente o fato de que Tomas julgava que o amor que sentia por Teresa e o desejo de fazer sexo com outras mulheres eram coisas compreensivelmente separadas.
Em uma das passagens mais marcantes do livro, o autor explica que esse desejo desenfreado de Tomas por fazer sexo com outras mulheres se deve ao fato de que ele procurava em cada uma delas, um ''eu'' individual, que ''é o que se distingue do geral, portanto o que não se deixa adivinhar nem calcular antecipadamente, o que precisa ser desvendado, descoberto, conquistado no outro. '' Para Tomas , a forma mais fácil de se encontrar esse ''eu '' individual e seu ''milionésimo de dessemelhança'' é através da sexualidade , pois ''é só na sexualidade que o milionésimo de dessemelhança aparece como uma coisa preciosa,pois não é acessível em público e é preciso conquistá-lo'' . Teresa jamais entenderia isso.
Com o pano de fundo da história de Tomas e Teresa, o autor nos fala também sobre a compaixão, outro sentimento decisivo na união desses dois personagens. A compaixão, na relação deles dois, não vem exclusivamente no sentido de um sentimento de ‘’piedade’’, mas sim de ’’ poder viver com alguém sua infelicidade’’, e também ‘’ sentir com esse alguém qualquer outra emoção: alegria, angústia, felicidade, dor ‘’
Por outro lado, a relação entre Franz e Sabina também é permeada pela contradição peso/leveza. Enquanto ela era dada aos amantes, ele, inseguro, via no amor ''a espera de um contínuo golpe''.
Sabina e Franz ''compreendiam exatamente o sentido lógico das palavras que diziam, mas sem ouvir o murmúrio do rio semântico que corria através dessas palavras. '' A relação deles era pura contradição: Ela original, ele clássico; Ela adepta ao silêncio e às luzes e ele, ao escuro e à música.
Outra personagem importante no livro é Karenin , a cachorra dada por Tomas para Teresa. Através do amor de Teresa por Karenin , surgiu em mim o questionamento acerca do amor : O que nós esperamos dele ? Esperar amor em troca de amor seria egoísmo demais?
Segundo o autor , perguntas do tipo ‘’ será que ele me ama como eu o amo?’’ , ‘’será que ele gosta de mim como eu dele’’ , e etc , destroem o amor no instante em que ele nasce . Seríamos nós, incapazes de amar de forma saudável ? Kundera diz que ‘’se somos incapazes de amar , talvez seja porque desejamos ser amados. Queremos alguma coisa do outro (amor) , em vez de chegar a ele sem reivindicações , desejando apenas sua simples presença ‘’. Como lidar então com o nosso egoísmo?
A história do livro se passa durante a pela invasão russa à Tchecoslováquia , portanto é interessante ao ler o livro, se interar em assuntos como a Primavera de Praga, uma vez que esse evento é outro ‘’personagem ‘’ importante na história.
Sinto que , 28 dias após uma leitura feita de forma lenta e reflexiva, não sou mais a mesma . A medida que fui me identificando com cada personagem (sobretudo com Teresa) , e mergulhando em seus questionamentos, eu pude sem sombra de dúvidas me conhecer melhor , pensar em minhas próprias contradições e identificar em mim meu próprio peso e igualmente a minha leveza.
O livro terminou, mas os questionamentos estão aí ainda, esperando por respostas.
O quão insustentável pode ser leveza do ser?

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

L'amour


Porque fazia do amor sua bandeira e linha de frente, vivia do desafio de colher o bônus e o ônus de suas escolhas, sempre guiadas por forças maiores que seu próprio corpo, o que sempre a impedia de ir na contramão de seu desejo.
Conviver 24h por dia com o amor dentro de si não era tarefa das mas fáceis: sentia - se dividida entre as dores e as delícias que o amor oferecia, e num ato indolente, sentia preguiça de enfrentar a parte ruim, querendo unicamente sentir-se deleitada.
Sentia orgulho em bater no peito e dizer - se mulher... Essa condição era para ela uma dádiva para poucos. Carregar consigo o dom de dar a vida, de alimentar com seu próprio corpo e paralisar com um simples olhar eram algumas das características basicamente femininas que ela se encantava. Era mulher, mas sua frustração era justamente não conseguir usar 100% dos tais ''feitiços'' femininos, os quais sempre ouvira falar e presenciara em tantas histórias por aí.
O que a impedia de jogar com seus encantos era justamente o amor. Quando se interessava por alguém de modo carnal, conseguia exercer sobre seu ''alvo'' um mistério instigante: era altiva e ditava as regras. Se elas não fossem seguidas, o jogo terminava e ela se mantinha do alto de seu orgulho, que jamais era ferido.
Contudo, via o jogo virar a partir do momento em que o amor atravessava seu caminho. Quando estava com o amor ao seu lado, não sentia necessidade de jogar e sucumbia ao coração. Dedicava poesias, versos de música e empenhava tudo de si.
Com o amor por perto, não percebia que de vez em quando é preciso de um pouco de limão para dar tempero à salada. Pecava por excesso. Não dosava. De repente o que era leve tornava-se pesado e o amor adoecia, ia perdendo o mistério.
Junto com a doença vinha o desespero, e com o desespero a preguiça de enfrentar o que poderia vir a doer. Faltava coragem. O amor lhe fizera mal acostumada.
Porque fazia do amor sua bandeira e linha de frente, estava sempre vulnerável, e ainda que não conseguisse se utilizar de toda a gama de joguetes e artimanhas que a arte feminina lhe havia dado sugava o doce do amor até o fim, ainda que enjoasse e ainda que, assim por acidente, o amor crescesse e por fim a engolisse.

Seria doce morrer de amor.