quinta-feira, 22 de março de 2012

Memória afetiva



Minha memória afetiva é algo que guardo como tesouro, pois me é de grande valia. Cada nova lembrança que nela chega traz um cheiro, uma história e um sorriso. Na peneira de minha memória afetiva só passa o que de fato é especial.

Ontem, de forma sutil e de certo ponto esperada, isso aconteceu. Fui ao cinema assistir O artista, grande vencedor do Oscar deste ano. O filme é uma nostálgica homenagem ao cinema mudo e conta, através de sua transição para os Talkies (filmes falados), a história de amor de dois atores: George Valentín e Peppy Miller, respectivamente representantes da era muda e da ascendente era falada, que até hoje perdura.

Quando o filme foi lançado, fui correndo baixar e assisti em casa, pelo PC. Gostei do que vi e por certo me emocionei, mas algo me dizia que um filme deste porte deveria ser curtido numa sala de cinema, e assim o fiz.

Na imponente tela do cinema, o filme literalmente se revelou grande, e através dessa grandeza os detalhes se revelaram com clareza em frente a mim. Havia, porém, um detalhe a mais além do filme por si só: a companhia que estava ao meu lado, na poltrona preta e confortável da sala do espaço Unibanco.

Enquanto o filme ia passando, não sabia se me encantava mais com o sorriso de George Valentín, interpretado lindamente por Jean Dujardin, inclusive vencedor do Oscar de melhor ator, ou com o sorriso do moço ao meu lado, que nunca ganhou prêmio algum, mas estava ali ao meu lado vibrando, e com sua vibração, me premiando com tão belo espetáculo.

A partir daí então, a reação daquele moço às cenas foi dividindo minha atenção com o filme. Ia olhando a tela e sorrateiramente espiava seus olhos para capturar seus trejeitos frente ao que via.

Dois momentos me marcaram mais: numa das cenas, Peppy se abraça ao paletó de George e naquele momento tão romântico, o moço ali do meu lado falou bem baixinho algo como ''Que lindo!'' e eu, abobalhada, sorri como uma criança que não sabe prestar atenção em uma coisa só. Sua presença sempre teve o poder de me deixar atônita.

O outro momento ficou por conta da primorosa trilha sonora: em momentos mais críticos do filme, quando o nível de tensão aumentava e com ele , a trilha chegava a seu ápice, o moço regia a música silenciosamente, fazendo de conta que seus dedos eram batutas.

O filme é cheio de detalhes e simbologias interessantes, mostradas com sutileza e uma boa dose de senso de humor. Dessas sutilezas, achei interessantes (apesar de previsíveis) as menções das palavras ''falar '' e ''falante '‘, uma vez que o personagem de Dujardin é totalmente avesso a transição dos mudos para os talkies.

É interessante e curioso também, o fato O artista, em pleno ano de 2012 (em meio a nossa época de vastos avanços tecnológicos), ser o primeiro filme mudo a ser premiado com o Oscar de melhor filme desde 1929... Isso prova que não existe nenhuma época perdida e que o cinema, falado ou não, tem sua beleza e desperta saudade em quem assiste. Prova disso são os vários clássicos que são revisitados e redescobertos a cada dia.

Ao final do filme, saí da sala com a alma lavada por ter podido ver a O artista no cinema (uma espécie túnel do tempo para alguém tão nostálgico como eu) e por ter presenciado a emoção do moço que estava ao meu lado.

Enquanto os créditos iam subindo na tela, eu ia armazenando em minha memória afetiva cada detalhe do filme que vi e igualmente os detalhes que vi do rosto do moço.

Cheiro de pipoca, história de cinema, sorriso de Príncipe. É assim que entitulo o dia em que no cinema, vi O artista.