domingo, 30 de setembro de 2012

O Ciúme




É ao som de Caetano Veloso que inicio este post, depois de mais de um mês sem por aqui dar as caras.

Como todos sabem ,adoro me contar. Como escreveu Drummond - de forma tão bela que sempre penso que é para mim e sobre mim -, ''preciso de todos''. Acontece que nos últimos meses fui tomada por um sentimento não tão inédito assim, mas que em mim se manifestou como tal em sua intensidade, o que me tem causado enorme estranheza: O ciúme.

No dicionário, entre outras definições, pode-se dizer que ciúme é:

 1. Inquietação mental causada por suspeita ou receio de rivalidade no amor ou em outra aspiração.
2. Vigilância ansiosa ou suspeitosa nascida dessa inquietação.
3. Ressentimento invejoso contra um rival ou suposto rival mais eficiente ou mais bem-sucedido, ou contra o possessor de uma vantagem material ou intelectual cobiçada''.

Dentro de mim não sei se é tão ao pé da letra como o pai dos burros define. Talvez seja assim, mas de forma mais branda, ou mesmo seja uma onda indesejável que vai e volta sem querer. O fato é que o danado apareceu em mim depois de uma intuição que nem sei se era certa, e ao identificá-lo, fiquei  muitíssimo envergonhada por senti-lo em mim.

Voltando ao meu querido Caetano Veloso, uma música em especial é que me fez escrever essas palavras tortas sobre esse sentimento que não gosto, mas vem me visitar às vezes. A música é justamente ''O ciúme''. Ele diz em um dos versos da canção que '' O ciúme lançou sua flecha preta e acertou no meio exato da garganta''. Se eu fosse definir tão estranho sentimento, o faria como Caê fez, pois é exatamente como vejo o ciúme : uma flecha traiçoeira que nos acerta assim, meio de bobeira.

Uma das palavras que permeiam o ciúme, com certeza é Tragédia. Digo isso com base em três exemplos da literatura. São eles: Otelo, que através do ciúme teve seu triste fim nas mãos de Desdêmona; Bentinho, de Dom Casmurro e sua Capitu e por último e não menos importante, o ciumento que mais mexeu comigo, Paulo Honório, do romance São Bernardo, de Graciliano Ramos. Este último faz com que o ciúme culmine numa solidão devastadora, do tipo que ninguém deseja.

O fato é que não gosto nada do ciúme. Há quem o ache até ''engraçadinho''. Para mim é mais uma forma de deixar as coisas nebulosas e causar neuroses que muitas vezes são desnecessárias. Em outro verso da música, Caetano diz sobre o ciúme que ''Tanta gente canta, tanta gente cala'‘, e arremata dizendo que ''Sobre toda estrada, sobre toda sala paira, monstruosa, a sombra do ciúme. '' É por isso que resolvi escrever sobre ele : Para gritar aos quatro ventos que eu sou mais do que ele e quando ele teimar em aparecer, o chutarei para um canto qualquer esquecido e de preferência FORA de mim.

domingo, 2 de setembro de 2012

Kundera em mim

“Não existe meio de verificar qual é a boa decisão, pois não existe termo de comparação. Tudo é vivido pela primeira vez e sem preparação. Como se um ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que pode valer a vida, se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida? É isso que faz com que a vida pareça sempre um esboço. No entanto, mesmo ‘esboço’ não é a palavra certa porque um esboço é sempre um projeto de alguma coisa, a preparação de um quadro, ao passo que o esboço que é a nossa vida não é o esboço de nada, é um esboço sem quadro.”


Milan Kundera me ronda....

Teresa me ronda. Tomas me ronda. Sabina me ronda.

Esses personagens entraram em minha vida e me fizeram pensar...mudar...refletir...

Me sinto pesadamente leve e levemente pesada.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Romântico é uma espécie em extinção?


Ontem, em mais uma de minhas inúmeras noites insones, minha amiga Flávia Oliveira me chamou no Facebook e me mostrou um vídeo, pedindo para que eu assistisse e dizendo que eu, como uma das últimas românticas do mundo, iria adorar. Tratava-se de um vídeo feito por um rapaz que foi a uma balada e se encantou por uma menina. Segundo ele, foi ''amor à primeira vista'‘, porém perdeu seu telefone. O vídeo era um apelo para encontrar a tal garota e chama-se ''perdi meu amor na balada''. Como esperado, eu achei muito fofo, e Flávia comentou que muitas pessoas classificaram a atitude do rapaz como ''ridícula''. Fiquei espantada com isso e Flavinha pediu então, que escrevesse a respeito.

Seu pedido é uma ordem, minha querida!

Tenho notado que cada vez mais o romantismo que eu tanto admiro e pratico está um tanto quanto escasso.

Sou admiradora do ultrarromantismo e adoro figuras passionais que colocam o amor acima de tudo e por ele travam uma busca incansável. No fundo, os admiro porque sou assim também: passional até o limite do limite. Reconheço porém, que tudo que é feito e sentido em demasia pode enjoar, como todos dizem. O cerne da questão e deste post é: em tempos como esse que vivemos, onde tudo é muito rápido e instantâneo, aonde foi parar o romantismo, ainda que de forma comedida?

Sinto que hoje em dia, devido à rapidez com que as coisas se movem, não há mais aquela coisa da CONQUISTA. Flertar em pleno 2012 muitas vezes se resume a uma cutucada no Facebook ou mesmo algumas cantadas que de tão baratas e sem criatividade, chegam a ser bizarras. Sinto falta de troca de olhares, de nervosismo, expectativa, uma certa timidez e sobretudo ,delicadeza.Saber que algumas pessoas acharam ridícula a atitude do rapaz que fez o vídeo que citei acima é só mais um reflexo de minha opinião: as pessoas ,especialmente os mais jovens,de modo geral não estão mais acostumadas a atitudes assim, dotadas de sensibilidade e de um certo arrebatamento. Sinto falta de ver nas pessoas aquele brilho no olhar e aquela vontade louca de se jogar. Ao que me parece, falta EMPOLGAÇÃO e disposição para arriscar. Tudo isso implica para que o romantismo vá diminuindo. Não há mais tanta vontade de se expor. Não há mais cartas de amor. Fernando pessoa diz que cartas de amor e palavras esdrúxulas são naturalmente ridículas. Será que as pessoas estão com medo de parecerem assim? Falta hoje em dia o medo de arriscar quando o que está em jogo é o coração.

Não quero aqui ser radical demais, nem bancar a romântica irracional, mas acho que realmente falta um quê de ternura e mistério nas relações em tempos tão modernos. Como escreveu Arthur da Távola, há que se ‘’buscar a criança própria e a do amado/a ‘’ e de vez em quando colocar ‘’intenções de quermesse ‘’ em nossos olhos e porque não ‘’beber licor de contos de fadas’’.

Acredito no amor e na necessidade de emoção. Há sentimentos na vida que não se explicam... Que só se sentem. Fazendo mais uma citação, Gilberto Gil diz que do luar não há nada a dizer a não ser que ‘’a gente PRECISA ver o luar’’. É isso! Para bons entendedores, uma bela citação basta!

Let’s Love!

Sejamos Românticos !


quarta-feira, 9 de maio de 2012

Não é fácil...


Difícil é se calar quando o corpo todo grita e
tentar se conter com o corpo em chamas e o coração desaguando.
Difícil é estar consciente da verdade e se manter no estado de torpor.
Difícil é postergar por medo e retardar por esperança de que tudo se ajeite.
Difícil é saber as respostas das perguntas,
é ver a solução a um palmo de distância e recuar.
Difícil é o medo do silêncio das palavras, e da fúria que mora na quietude.
Difícil é o dia seguinte, é o ter de se aturar,
é saber-se claramente a par da situação,
é andar na corda bamba sem rede para proteger.
Difícil é querer irrigar terra seca com a ilusão do florescer.


sexta-feira, 27 de abril de 2012

Experiências Kafkianas



Como todos sabem, eu adoro leitura . Resolvi, nas últimas, fazer algo inédito: ler dois livros seguidos de um mesmo autor. O escolhido foi Franz Kafka.

Decidi começar pela leitura de Carta ao Pai, pois havia comprado o livro há um bom tempo, mas não tive ânimo para ler. Acredito que tenha acertado em cheio ao escolher este título para inaugurar minha experiência Kafkiana, pois pelo que eu pesquisei e principalmente pelo que senti a conturbada relação de Kafka com seu pai é ponto crucial em sua obra.

A ''Carta'' foi escrita em 1919. Kafka tinha o intento de entregá-la ao pai, coisa que não aconteceu. Aqui, o que salta aos olhos, além, obviamente, da relação pai-filho, é o brilhantismo com o qual Kafka escreve: o aspecto literário desta ''simples carta '' é surpreendente. Quando li, além de enxergar aspectos de minha própria relação com meu pai, também me perguntei o que habitava a mente e o coração de Kafka.

Resolvi então, passar a vez à Metamorfose.

O livro já inicia com a emblemática e arrebatadora frase: '' Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. '' A metamorfose na verdade ultrapassa os limites da mudança física da personagem principal. Tanto o seu cotidiano quanto o de sua família são alterados radicalmente.

Acredito que para um livro há várias interpretações, que ficam sempre a cargo da percepção de cada leitor. No meu caso, senti enorme perturbação com a questão da mudança. Achei cruel a forma com que Kafka descreve a dor de Gregor, algo que ousaria chamar de '' verdadeiro encontro com a solidão do ser '' . A surpreendente reação gradativa de sua família em relação à mudança também me assustou. Me fez pensar até que ponto estamos preparados e abertos para o que é novo e desconhecido. Será que cada um de nós sabe o quão forte para enfrentar obstáculos somos? Será que somos capazes de enxergar também o nosso lado cruel?

Os vários aspectos das leituras que fiz tanto de Carta ao pai e principalmente de A metamorfose, são perfeitamente contemporâneos, e justamente isso é o que me chamou atenção na leitura de Kafka. É algo com o qual é impossível passar ileso sem ser tocado de algum modo. Seja para o bem ou seja para o mal.

Recomendo fortemente a leitura, meus caros.

Beijos da Pretah ♥

quinta-feira, 22 de março de 2012

Memória afetiva



Minha memória afetiva é algo que guardo como tesouro, pois me é de grande valia. Cada nova lembrança que nela chega traz um cheiro, uma história e um sorriso. Na peneira de minha memória afetiva só passa o que de fato é especial.

Ontem, de forma sutil e de certo ponto esperada, isso aconteceu. Fui ao cinema assistir O artista, grande vencedor do Oscar deste ano. O filme é uma nostálgica homenagem ao cinema mudo e conta, através de sua transição para os Talkies (filmes falados), a história de amor de dois atores: George Valentín e Peppy Miller, respectivamente representantes da era muda e da ascendente era falada, que até hoje perdura.

Quando o filme foi lançado, fui correndo baixar e assisti em casa, pelo PC. Gostei do que vi e por certo me emocionei, mas algo me dizia que um filme deste porte deveria ser curtido numa sala de cinema, e assim o fiz.

Na imponente tela do cinema, o filme literalmente se revelou grande, e através dessa grandeza os detalhes se revelaram com clareza em frente a mim. Havia, porém, um detalhe a mais além do filme por si só: a companhia que estava ao meu lado, na poltrona preta e confortável da sala do espaço Unibanco.

Enquanto o filme ia passando, não sabia se me encantava mais com o sorriso de George Valentín, interpretado lindamente por Jean Dujardin, inclusive vencedor do Oscar de melhor ator, ou com o sorriso do moço ao meu lado, que nunca ganhou prêmio algum, mas estava ali ao meu lado vibrando, e com sua vibração, me premiando com tão belo espetáculo.

A partir daí então, a reação daquele moço às cenas foi dividindo minha atenção com o filme. Ia olhando a tela e sorrateiramente espiava seus olhos para capturar seus trejeitos frente ao que via.

Dois momentos me marcaram mais: numa das cenas, Peppy se abraça ao paletó de George e naquele momento tão romântico, o moço ali do meu lado falou bem baixinho algo como ''Que lindo!'' e eu, abobalhada, sorri como uma criança que não sabe prestar atenção em uma coisa só. Sua presença sempre teve o poder de me deixar atônita.

O outro momento ficou por conta da primorosa trilha sonora: em momentos mais críticos do filme, quando o nível de tensão aumentava e com ele , a trilha chegava a seu ápice, o moço regia a música silenciosamente, fazendo de conta que seus dedos eram batutas.

O filme é cheio de detalhes e simbologias interessantes, mostradas com sutileza e uma boa dose de senso de humor. Dessas sutilezas, achei interessantes (apesar de previsíveis) as menções das palavras ''falar '' e ''falante '‘, uma vez que o personagem de Dujardin é totalmente avesso a transição dos mudos para os talkies.

É interessante e curioso também, o fato O artista, em pleno ano de 2012 (em meio a nossa época de vastos avanços tecnológicos), ser o primeiro filme mudo a ser premiado com o Oscar de melhor filme desde 1929... Isso prova que não existe nenhuma época perdida e que o cinema, falado ou não, tem sua beleza e desperta saudade em quem assiste. Prova disso são os vários clássicos que são revisitados e redescobertos a cada dia.

Ao final do filme, saí da sala com a alma lavada por ter podido ver a O artista no cinema (uma espécie túnel do tempo para alguém tão nostálgico como eu) e por ter presenciado a emoção do moço que estava ao meu lado.

Enquanto os créditos iam subindo na tela, eu ia armazenando em minha memória afetiva cada detalhe do filme que vi e igualmente os detalhes que vi do rosto do moço.

Cheiro de pipoca, história de cinema, sorriso de Príncipe. É assim que entitulo o dia em que no cinema, vi O artista.



domingo, 19 de fevereiro de 2012

A paz e a guerra de Portinari



Meu final de semana foi felizmente salvo por uma decisão de última hora (mal de libriana): Sair do trabalho e ir correndo ver a exposição Guerra e Paz, de Portinari, no memorial da América Latina.
Confesso que entrei na exposição sem ter lido muito a respeito da obra. Conhecia ''por cima'' o trabalho de Portinari e pensei que minha permanência no memorial seria rápida, afinal eram ''apenas dois painéis''.
Logo que entrei no galpão, dei de cara com duas enormes obras de arte: dois murais de 14x10 m, um representando a Guerra e outro, a Paz. Olhei para cima, tentando interpretar e captar cada detalhe dos painéis, quando de repente as luzes baixaram e o telão se acendeu com essas palavras: '‘. Uma pintura que não fala ao coração não é arte, porque só ele a entende. '' Diante do baque desta frase, sentei-me no chão para prestar atenção. Em seguida, vieram esses versos:

''Entre o cafezal e o sonho
o garoto pinta uma estrela dourada
na parede da capela,
e nada mais resiste à mão pintora.
A mão cresce e pinta
o que não é para ser pintado, mas sofrido.
A mão está sempre compondo
módul-murmurando
o que escapou à fadiga da Criação
e revê ensaios de formas
e corrige o oblíquo pelo aéreo
e semeia margaridinhas de bem-querer no baú dos vencidos
A mão cresce mais e faz
do mundo-como-se-repete o mundo que telequeremos.
A mão sabe a cor da cor
e com ela veste o nu e o invisível. '' (...)


Esses versos pertencem a ninguém menos que Carlos Drummond de Andrade, que compôs este poema de nome ''A mão'‘, no dia da morte de Cândido Portinari, em 6 de fevereiro de 1962.
Os painéis Guerra e Paz foram encomendados em 1952 para representar o Brasil na sede da ONU, em Nova York e levaram aproximadamente 4 anos para ser finalizados. A ideia de expor os painéis no Brasil partiu do Instituto Portinari, que cataloga a obra do pintor desde 1979 e foi fundado por João Candido Portinari, filho do artista. Como a sede da ONU está em reforma, o instituto está com a custódia dos painéis até 2013, ano em que a reforma será concluída.
De volta ao vídeo no telão, logo após a apresentação do poema na voz do próprio Drummond (o que já seria motivo suficiente para me emocionar), os quadros começaram a ser esmiuçados aos olhos de todos que ali estavam e nesse momento, eu comecei a ser arrebatada.
Na voz de Milton Nascimento, cada painel foi ''explicado'' em versos compostos por Fernando Brant especialmente para as comemorações da exposição aqui no Brasil. Para falar da Guerra, enquanto em close, cada detalhe da obra é mostrado na tela, Milton declama:

A guerra é uma cavalgada
Cruzando o azul da paisagem
Cortejo de fome e de morte
Ferindo o coração dos homens

A mulher velando o filho morto
A mulher e a criança chorando
A mãe e a filha em desespero
De cabeças rolando na grama

A guerra são os quatro cavalos
Regendo a sinfonia de dores
São os braços erguidos em prece
Pedindo o final dos horrores


Depois desses versos, fui tomada pelo clima de desespero que o painel Guerra representa. Nele vemos os personagens em sua maioria com as mãos tampando os rostos ou com as mãos para o céu, como se fosse um clamor, um pedido de socorro. Vemos também repetidas vezes a representação da figura da Pietá (a mãe segurando filho morto), além das cores em tons fortes, gritantes... de modo que a Guerra nos causa mesmo desespero e solidariedade.

Por outro lado, a Paz faz jus ao nome que recebeu. Para retratar o quadro, Milton declama os seguintes versos:

A paz é um coro de meninos
É a voz eterna da infância
As mulheres dançando na roça
Os meninos pulando carniça

É a noiva de branco sorrindo
Na garupa de um cavalo branco
A mulher carrega um carneiro
Crianças no espaço balançam

A paz está nos meninos
Que brincam nos campos da infância
Nos homens, nas mulheres cantando
A harmonia, a esperança.

A idéia da Paz é justamente essa: a felicidade e a tranquilidade de pequeninos momentos como brincar de pé no chão na rua, dançar quadrilha ou andar na garupa de um cavalo. Aqui as cores são brandas, de forma que nossas vistas se acostumam de forma fácil e agradável com a pintura.

Além dos painéis, a exposição ainda conta com todos os esboços feitos por Portinari, além de reportagens de jornais da época, retratando a época da confecção da obra, além de alguns objetos pessoais do artista. Há também uma parte da exposição dedicada a documentar em vídeo todo o processo da montagem da exposição - desde as negociações com a ONU pela guarda dos painéis até a restauração da obra, com vários depoimentos, inclusive do filho de Portinari.

Fui às lágrimas em vários momentos. A princípio pensei se tratar apenas de dois grandes quadros, mas saí da exposição totalmente devastada com o tamanho da arte de Cândido Portinari.

A exposição fica aberta até o dia 21/04/2011 no Memorial da América Latina e eu nem preciso dizer o quanto recomendo.

Para ilustrar a postagem, o poema de Drummond em homenagem a Portinari.

Beijos da Pretah!

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

O peso e a leveza de Kundera em minha vida


O mês de janeiro de 2012 iniciou de forma densa para mim. No final do ano passado, através de um grupo de discussão no Facebook acerca da sexualidade no cinema, conheci um filme chamado A insustentável leveza do ser. Fiquei interessada pelo título, que é assaz interessante, e diante dos muitos elogios à película, resolvi adquirir o DVD do filme e conferir do que se tratava. Numa das críticas impressas na capa do DVD, lia-se que se tratava do ''romance erótico mais sério desde o Último tango em Paris''.
Ao ver o filme, tive certeza de que a tal crítica estava correta e isso me fez comprar o livro, o que me leva a escrever este post, sobre as impressões que a leitura me causou.
Levei cerca de 28 dias para finalizar a leitura de A insustentável leveza do ser, do escritor tcheco Milan Kundera, lançado originalmente no ano de 1982. O período no qual passei em companhia do livro foi de verdadeira transformação para mim, que sou como uma esponja, e absorvo com facilidade as coisas que me tocam.
Já nas primeiras páginas, o autor discorre sobre Nietzsche e sua teoria do eterno retorno (teoria que o próprio Nietzsche achava assustadora). Segundo essa teoria ''considerando-se o tempo infinito e as combinações de forças em conflito que formam cada instante finitas, em algum momento futuro tudo se repetirá infinitas vezes. Assim, vemos sempre os mesmos fatos retornarem indefinidamente. '' (Wikipédia) .
A ideia dessa repetição levou Nietzsche a afirmar que o eterno retorno é o mais pesado dos fardos. Começam-se então os questionamentos: ''será mesmo atroz o peso e bela a leveza?'‘, pergunta-nos Kundera. Através dessa simples pergunta meu pensamento se elevou e comecei a pensar nas muitas contradições da vida. Será possível viver somente com a leveza? É possível ignorar os fardos de nossa vida e esquecer o real ''peso'' que o peso tem?
O livro conta a história de cinco personagens que alternam entre si a dualidade e porque não dizer, o duelo entre o peso e a leveza, questão central e mais importante no livro.
Tomas e Sabina, através de sua sexualidade aguçada (são velhos amigos e amantes constantes), representam o que se pode definir como Leveza. Teresa e Franz são o lado que representa o peso. São dois sonhadores. Mas, sobretudo, é no casal Tomas e Teresa que se desenrola a história: Ele, acostumado viver forma despretensiosa, vê seu mundo mudar ao conhecer Teresa, que em sua definição era como uma '' criança colocada num cesto e abandonada ao sabor da corrente'‘, que veio para ser salva por ele assim como Moisés ou mesmo Édipo haviam sido salvos.
A leveza com que Tomas levava a vida entrou em confronto com o peso que viver com Teresa (uma criatura frágil, debilitada emocionalmente e extremamente sonhadora) acarretava: sentiam um amor imenso um pelo outro, mas para Teresa, a leveza com que Tomas levava a vida era um fardo insustentável para ela, que via nas outras mulheres e no desejo sexual de Tomas um problema com o qual ela não sabia lidar.
Ele, que sempre fugiu de qualquer envolvimento, se apaixonou por Teresa através de sua fragilidade. Segundo o livro, ''o amor não se manifesta pelo desejo de fazer amor (esse desejo se aplica a uma multidão inumerável de mulheres), mas pelo desejo do sono compartilhado (esse diz respeito a uma só mulher) '‘, e foi através desse sono compartilhado que Tomas se apaixonou por Tereza. O grande conflito entre os dois (o peso de um e a leveza de outro) era justamente o fato de que Tomas julgava que o amor que sentia por Teresa e o desejo de fazer sexo com outras mulheres eram coisas compreensivelmente separadas.
Em uma das passagens mais marcantes do livro, o autor explica que esse desejo desenfreado de Tomas por fazer sexo com outras mulheres se deve ao fato de que ele procurava em cada uma delas, um ''eu'' individual, que ''é o que se distingue do geral, portanto o que não se deixa adivinhar nem calcular antecipadamente, o que precisa ser desvendado, descoberto, conquistado no outro. '' Para Tomas , a forma mais fácil de se encontrar esse ''eu '' individual e seu ''milionésimo de dessemelhança'' é através da sexualidade , pois ''é só na sexualidade que o milionésimo de dessemelhança aparece como uma coisa preciosa,pois não é acessível em público e é preciso conquistá-lo'' . Teresa jamais entenderia isso.
Com o pano de fundo da história de Tomas e Teresa, o autor nos fala também sobre a compaixão, outro sentimento decisivo na união desses dois personagens. A compaixão, na relação deles dois, não vem exclusivamente no sentido de um sentimento de ‘’piedade’’, mas sim de ’’ poder viver com alguém sua infelicidade’’, e também ‘’ sentir com esse alguém qualquer outra emoção: alegria, angústia, felicidade, dor ‘’
Por outro lado, a relação entre Franz e Sabina também é permeada pela contradição peso/leveza. Enquanto ela era dada aos amantes, ele, inseguro, via no amor ''a espera de um contínuo golpe''.
Sabina e Franz ''compreendiam exatamente o sentido lógico das palavras que diziam, mas sem ouvir o murmúrio do rio semântico que corria através dessas palavras. '' A relação deles era pura contradição: Ela original, ele clássico; Ela adepta ao silêncio e às luzes e ele, ao escuro e à música.
Outra personagem importante no livro é Karenin , a cachorra dada por Tomas para Teresa. Através do amor de Teresa por Karenin , surgiu em mim o questionamento acerca do amor : O que nós esperamos dele ? Esperar amor em troca de amor seria egoísmo demais?
Segundo o autor , perguntas do tipo ‘’ será que ele me ama como eu o amo?’’ , ‘’será que ele gosta de mim como eu dele’’ , e etc , destroem o amor no instante em que ele nasce . Seríamos nós, incapazes de amar de forma saudável ? Kundera diz que ‘’se somos incapazes de amar , talvez seja porque desejamos ser amados. Queremos alguma coisa do outro (amor) , em vez de chegar a ele sem reivindicações , desejando apenas sua simples presença ‘’. Como lidar então com o nosso egoísmo?
A história do livro se passa durante a pela invasão russa à Tchecoslováquia , portanto é interessante ao ler o livro, se interar em assuntos como a Primavera de Praga, uma vez que esse evento é outro ‘’personagem ‘’ importante na história.
Sinto que , 28 dias após uma leitura feita de forma lenta e reflexiva, não sou mais a mesma . A medida que fui me identificando com cada personagem (sobretudo com Teresa) , e mergulhando em seus questionamentos, eu pude sem sombra de dúvidas me conhecer melhor , pensar em minhas próprias contradições e identificar em mim meu próprio peso e igualmente a minha leveza.
O livro terminou, mas os questionamentos estão aí ainda, esperando por respostas.
O quão insustentável pode ser leveza do ser?

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

L'amour


Porque fazia do amor sua bandeira e linha de frente, vivia do desafio de colher o bônus e o ônus de suas escolhas, sempre guiadas por forças maiores que seu próprio corpo, o que sempre a impedia de ir na contramão de seu desejo.
Conviver 24h por dia com o amor dentro de si não era tarefa das mas fáceis: sentia - se dividida entre as dores e as delícias que o amor oferecia, e num ato indolente, sentia preguiça de enfrentar a parte ruim, querendo unicamente sentir-se deleitada.
Sentia orgulho em bater no peito e dizer - se mulher... Essa condição era para ela uma dádiva para poucos. Carregar consigo o dom de dar a vida, de alimentar com seu próprio corpo e paralisar com um simples olhar eram algumas das características basicamente femininas que ela se encantava. Era mulher, mas sua frustração era justamente não conseguir usar 100% dos tais ''feitiços'' femininos, os quais sempre ouvira falar e presenciara em tantas histórias por aí.
O que a impedia de jogar com seus encantos era justamente o amor. Quando se interessava por alguém de modo carnal, conseguia exercer sobre seu ''alvo'' um mistério instigante: era altiva e ditava as regras. Se elas não fossem seguidas, o jogo terminava e ela se mantinha do alto de seu orgulho, que jamais era ferido.
Contudo, via o jogo virar a partir do momento em que o amor atravessava seu caminho. Quando estava com o amor ao seu lado, não sentia necessidade de jogar e sucumbia ao coração. Dedicava poesias, versos de música e empenhava tudo de si.
Com o amor por perto, não percebia que de vez em quando é preciso de um pouco de limão para dar tempero à salada. Pecava por excesso. Não dosava. De repente o que era leve tornava-se pesado e o amor adoecia, ia perdendo o mistério.
Junto com a doença vinha o desespero, e com o desespero a preguiça de enfrentar o que poderia vir a doer. Faltava coragem. O amor lhe fizera mal acostumada.
Porque fazia do amor sua bandeira e linha de frente, estava sempre vulnerável, e ainda que não conseguisse se utilizar de toda a gama de joguetes e artimanhas que a arte feminina lhe havia dado sugava o doce do amor até o fim, ainda que enjoasse e ainda que, assim por acidente, o amor crescesse e por fim a engolisse.

Seria doce morrer de amor.