quinta-feira, 27 de julho de 2017

Anotações soltas sobre uma letra de forró

Costumo usar de várias fontes de arte para tirar referências que expliquem meu sentir. Dos versos de poemas traço paralelos do meu momento atual. Das páginas dos livros que li também brotam sempre reflexões, falas emblemáticas, parênteses que só eu sei, metáforas diversas.
Engraçado é quando aquela música bem X te pega por algum motivo.
Quem aí se lembra do grupo (amo chamar bandas de GRUPO) Falamansa? Eu sei que você lembra, vai... Em um de seus hits, quiçá o maior deles, o Xote dos Milagres, está uma questão muito enigmática e porque não dizer, humana, profunda: "Veja só,você é a única que não me dá valor. Então, por que será que esse valor é o que eu ainda quero ter?"
Este verso sempre me prendeu, e o levo ao divã com frequência. Primeiramente, penso nessa necessidade de validação que temos. No fundo, não queremos estar sós. Buscamos ser notados,aprovados,mesmo que inconscientemente. Dançar conforme a música é mais confortável com mais gente na pista, sabe? De tanto buscarmos a tal validação, caímos na armadilha de esquecermos de nos auto-validar. Às vezes buscamos valorização onde nada podemos conseguir,e na ausência desta validação, em meio  às crises e  lamentações, podemos cair no erro de esquecer de olhar para os lados e perceber que muita gente pode estar nos valorizando,querendo nos tirar para dançar, merecendo reciprocidade, joia tão rara em tempos de relações cada vez mais líquidas e cheias de medo de arriscar, de viver se entregar. Falo de qualquer relação, não necessariamente as de casal. Responder à questão proposta na música do Falamansa é bem difícil. Já são várias audições, conversas com o analista, reflexões solitárias e não ainda consegui achar a resposta. Contudo, penso que só o fato de refletir já é um avanço, mas mesmo sem saber resolver este enigma, que possamos aprender a nos enxergar como boas pessoas, com boas qualidades. Que achemos (eu e você que me lê e não se valida todos os dias) nossa auto-validação. Que tenhamos a capacidade de olhar para o outro sem egoísmo, amando, cuidando e sabendo que sentimentos entregues ao outro geram sim responsabilidade. Que saibamos declinar da entrega quando não nos cabe aceitar. Que o façamos com cuidado, mesmo sabendo que eventuais machucados são inevitáveis.
Que saibamos valorizar.
Quem diria que um forró dos saudosos anos 00 geraria tantos pensamentos desenfreados, não é?

sexta-feira, 21 de julho de 2017

Numa página qualquer

Pegou seu diário e se pôs a ler. Fazia tempo que já não escrevia porque não conseguia mais colocar  no papel a vastidão de pensamentos que iam à sua cabeça confusa. Ensaiava algumas linhas, mas no meio do parágrafo era atropelada por tudo que queria dizer. Queria desafogar, mas acabava completamente afogada. Passou, então, a preferir o silêncio.
Começou a folhear as páginas. Muitas delas eram bem pessimistas. Outras, tinham flores desenhadas na margem. Anotações em inglês, garranchos quase impossíveis de ler, como cartas psicografadas às pressas.
No meio daquelas folhas, preso a um clipe, estava um papel branco, destacado, com tinta preta. Era uma anotação que havia feito numa madrugada qualquer enquanto observava o bem amado. Dizia que mesmo sendo alta madrugada e precisando acordar cedo estava ali, fazendo companhia e o observando. Dizia que mesmo em meio às tormentas, olhar para ele naquele momento lhe dava a certeza do que sentia, que poderia ficar ali para sempre, que mesmo tendo de acordar muito cedo, acordaria podre de cansaço, mas feliz pela observação e constatação daquilo que sentia, apesar dos poréns.
Era uma nota escrita há muito tempo. Tudo havia mudado desde então,mas ao (re)descobrir aquele pedaço de papel que com tanto carinho guardara, uma enxurrada de sentimentos brotaram. Era como se aquela atmosfera guardada ali invadisse seus olhos e coração. Tudo começou a transbordar sem que ela pudesse evitar.
Tirou o clipe, tomou o impulso de rasgar o papel,mas suas mãos não tiveram força para fazê-lo. Travaram. Percebeu que não adiantava rasgar aquilo. Sentimentos não podem ser rasgados e descartados como uma simples folha de papel. Podem até ser reciclados, mas nunca relegados à desimportância.
Sentiu raiva por um momento. Pensou em suas mágoas, seu coração tão partido, na percepção do passar do tempo que é tão diferente para pessoas que estão bem e para pessoas que estão se recuperando de dores causadas pela vida. Quis chorar e gritar, se culpar pelo que não deu certo, pelo que poderia ter feito diferente, mas aí uma voz dentro de si a alertou para algo que é bem verdade: Não adianta chorar pelo leite derramado, ou melhor, pelo amor amado. Se o amor foi entregue, foi de peito aberto,por decisão firme,com intensidade e imensidão.
Ela olhou pra si e se sentiu viva. Que sorte tinha de saber que dentro de si cabia tanto sentimento para dar. Essa é a verdadeira dádiva, o mais belo semear que poderia fazer na vida.
Guardou o papel novamente,no mesmo lugar, com a convicção de que aquele momento narrado na nota foi verdadeiro para ela, e de que ser amorosa era a mais bonita qualidade que tinha.

Uma hora a colheita será certa.

Ela merece.