domingo, 19 de fevereiro de 2012

A paz e a guerra de Portinari



Meu final de semana foi felizmente salvo por uma decisão de última hora (mal de libriana): Sair do trabalho e ir correndo ver a exposição Guerra e Paz, de Portinari, no memorial da América Latina.
Confesso que entrei na exposição sem ter lido muito a respeito da obra. Conhecia ''por cima'' o trabalho de Portinari e pensei que minha permanência no memorial seria rápida, afinal eram ''apenas dois painéis''.
Logo que entrei no galpão, dei de cara com duas enormes obras de arte: dois murais de 14x10 m, um representando a Guerra e outro, a Paz. Olhei para cima, tentando interpretar e captar cada detalhe dos painéis, quando de repente as luzes baixaram e o telão se acendeu com essas palavras: '‘. Uma pintura que não fala ao coração não é arte, porque só ele a entende. '' Diante do baque desta frase, sentei-me no chão para prestar atenção. Em seguida, vieram esses versos:

''Entre o cafezal e o sonho
o garoto pinta uma estrela dourada
na parede da capela,
e nada mais resiste à mão pintora.
A mão cresce e pinta
o que não é para ser pintado, mas sofrido.
A mão está sempre compondo
módul-murmurando
o que escapou à fadiga da Criação
e revê ensaios de formas
e corrige o oblíquo pelo aéreo
e semeia margaridinhas de bem-querer no baú dos vencidos
A mão cresce mais e faz
do mundo-como-se-repete o mundo que telequeremos.
A mão sabe a cor da cor
e com ela veste o nu e o invisível. '' (...)


Esses versos pertencem a ninguém menos que Carlos Drummond de Andrade, que compôs este poema de nome ''A mão'‘, no dia da morte de Cândido Portinari, em 6 de fevereiro de 1962.
Os painéis Guerra e Paz foram encomendados em 1952 para representar o Brasil na sede da ONU, em Nova York e levaram aproximadamente 4 anos para ser finalizados. A ideia de expor os painéis no Brasil partiu do Instituto Portinari, que cataloga a obra do pintor desde 1979 e foi fundado por João Candido Portinari, filho do artista. Como a sede da ONU está em reforma, o instituto está com a custódia dos painéis até 2013, ano em que a reforma será concluída.
De volta ao vídeo no telão, logo após a apresentação do poema na voz do próprio Drummond (o que já seria motivo suficiente para me emocionar), os quadros começaram a ser esmiuçados aos olhos de todos que ali estavam e nesse momento, eu comecei a ser arrebatada.
Na voz de Milton Nascimento, cada painel foi ''explicado'' em versos compostos por Fernando Brant especialmente para as comemorações da exposição aqui no Brasil. Para falar da Guerra, enquanto em close, cada detalhe da obra é mostrado na tela, Milton declama:

A guerra é uma cavalgada
Cruzando o azul da paisagem
Cortejo de fome e de morte
Ferindo o coração dos homens

A mulher velando o filho morto
A mulher e a criança chorando
A mãe e a filha em desespero
De cabeças rolando na grama

A guerra são os quatro cavalos
Regendo a sinfonia de dores
São os braços erguidos em prece
Pedindo o final dos horrores


Depois desses versos, fui tomada pelo clima de desespero que o painel Guerra representa. Nele vemos os personagens em sua maioria com as mãos tampando os rostos ou com as mãos para o céu, como se fosse um clamor, um pedido de socorro. Vemos também repetidas vezes a representação da figura da Pietá (a mãe segurando filho morto), além das cores em tons fortes, gritantes... de modo que a Guerra nos causa mesmo desespero e solidariedade.

Por outro lado, a Paz faz jus ao nome que recebeu. Para retratar o quadro, Milton declama os seguintes versos:

A paz é um coro de meninos
É a voz eterna da infância
As mulheres dançando na roça
Os meninos pulando carniça

É a noiva de branco sorrindo
Na garupa de um cavalo branco
A mulher carrega um carneiro
Crianças no espaço balançam

A paz está nos meninos
Que brincam nos campos da infância
Nos homens, nas mulheres cantando
A harmonia, a esperança.

A idéia da Paz é justamente essa: a felicidade e a tranquilidade de pequeninos momentos como brincar de pé no chão na rua, dançar quadrilha ou andar na garupa de um cavalo. Aqui as cores são brandas, de forma que nossas vistas se acostumam de forma fácil e agradável com a pintura.

Além dos painéis, a exposição ainda conta com todos os esboços feitos por Portinari, além de reportagens de jornais da época, retratando a época da confecção da obra, além de alguns objetos pessoais do artista. Há também uma parte da exposição dedicada a documentar em vídeo todo o processo da montagem da exposição - desde as negociações com a ONU pela guarda dos painéis até a restauração da obra, com vários depoimentos, inclusive do filho de Portinari.

Fui às lágrimas em vários momentos. A princípio pensei se tratar apenas de dois grandes quadros, mas saí da exposição totalmente devastada com o tamanho da arte de Cândido Portinari.

A exposição fica aberta até o dia 21/04/2011 no Memorial da América Latina e eu nem preciso dizer o quanto recomendo.

Para ilustrar a postagem, o poema de Drummond em homenagem a Portinari.

Beijos da Pretah!

7 comentários:

Joicy Sorcière disse...

Joyce, que bom ver o seu final de semana sendo salvo por algo tão especial como essa exposição! Adoro Portinari... sempre trabalho com meus alunos.

PEna que não moro por aí, para poder apreciar tbem! :/

Grande beijo da Joicy, para Joyce! rs

Ótimo feriado...
JoicySorciere => Blog Umas e outras...

J. BRUNO disse...

Joyce, estou tentando imaginar o impacto que esta obra é capaz de causar, lembro de ter visto a matéria na TV quando a obra foi transportada da sede da ONU nos states para o Brasil... desde então eu fiquei hiper curioso para assistir... Lembro de visto um vídeo ótimo sobre a exposição no site do BB, que é patrocinador. Seria um sonho para mim poder ver de perto!

Luis Carlos V. disse...

A ONU é o diagnóstico da enfermidade da Humanidade!

Voltando ao blog:
Quem me apresentou de fato a obra de Candinho, foi meu filho Danilo,com 12 anos ele chegou em casa e veio me mostrar o que aprendera na escola:Era sobre Cândido Portinari o paulista que pintava a dor dos Brasileiros.
E hoje pela segunda vez tenho a honra pelas mãos de Joyce Pretah!

Cecília disse...

Amada, eu não sou muito de pinturas, sabe? Mas uma vez, a curiosidade me acometeu e resolvi ver um livro com obras de Da Vinci... Qual foi meu susto ao perceber que, o que está no papel, tem um poder enorme de despertar nossa sensibilidade? Tenho noção do tamanho do seu encantamento...
Diante de um post tão bem feito, só posso dizer que eu queria ter estado co você! São tantos elementos alinhados... A Arte de Portinari, a voz do Milton, a poesia de Drummond... FABULOSO!

Magali Geara Penna disse...

fim de semana maravilhoso.. não foi salvo porque não esta morrendo... com tanta emoção, não há morte que aguente...

Paco Sales disse...

Preciosos versos en esta magnífica entrada, un placer visitarte y deleitarme con tu trabajo, un gran abrazo para ti amiga mía

AC disse...

Descreve as suas sensações com tal paixão que só apetece apanhar o avião e ir ver. :)
Gostei do post, gostei da mensagem.

Beijo :)