sexta-feira, 21 de julho de 2017

Numa página qualquer

Pegou seu diário e se pôs a ler. Fazia tempo que já não escrevia porque não conseguia mais colocar  no papel a vastidão de pensamentos que iam à sua cabeça confusa. Ensaiava algumas linhas, mas no meio do parágrafo era atropelada por tudo que queria dizer. Queria desafogar, mas acabava completamente afogada. Passou, então, a preferir o silêncio.
Começou a folhear as páginas. Muitas delas eram bem pessimistas. Outras, tinham flores desenhadas na margem. Anotações em inglês, garranchos quase impossíveis de ler, como cartas psicografadas às pressas.
No meio daquelas folhas, preso a um clipe, estava um papel branco, destacado, com tinta preta. Era uma anotação que havia feito numa madrugada qualquer enquanto observava o bem amado. Dizia que mesmo sendo alta madrugada e precisando acordar cedo estava ali, fazendo companhia e o observando. Dizia que mesmo em meio às tormentas, olhar para ele naquele momento lhe dava a certeza do que sentia, que poderia ficar ali para sempre, que mesmo tendo de acordar muito cedo, acordaria podre de cansaço, mas feliz pela observação e constatação daquilo que sentia, apesar dos poréns.
Era uma nota escrita há muito tempo. Tudo havia mudado desde então,mas ao (re)descobrir aquele pedaço de papel que com tanto carinho guardara, uma enxurrada de sentimentos brotaram. Era como se aquela atmosfera guardada ali invadisse seus olhos e coração. Tudo começou a transbordar sem que ela pudesse evitar.
Tirou o clipe, tomou o impulso de rasgar o papel,mas suas mãos não tiveram força para fazê-lo. Travaram. Percebeu que não adiantava rasgar aquilo. Sentimentos não podem ser rasgados e descartados como uma simples folha de papel. Podem até ser reciclados, mas nunca relegados à desimportância.
Sentiu raiva por um momento. Pensou em suas mágoas, seu coração tão partido, na percepção do passar do tempo que é tão diferente para pessoas que estão bem e para pessoas que estão se recuperando de dores causadas pela vida. Quis chorar e gritar, se culpar pelo que não deu certo, pelo que poderia ter feito diferente, mas aí uma voz dentro de si a alertou para algo que é bem verdade: Não adianta chorar pelo leite derramado, ou melhor, pelo amor amado. Se o amor foi entregue, foi de peito aberto,por decisão firme,com intensidade e imensidão.
Ela olhou pra si e se sentiu viva. Que sorte tinha de saber que dentro de si cabia tanto sentimento para dar. Essa é a verdadeira dádiva, o mais belo semear que poderia fazer na vida.
Guardou o papel novamente,no mesmo lugar, com a convicção de que aquele momento narrado na nota foi verdadeiro para ela, e de que ser amorosa era a mais bonita qualidade que tinha.

Uma hora a colheita será certa.

Ela merece.

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